por Dra Márcia Baptista
A
raiva é causada por um vírus (gênero Lyssavirus,
Família Rhabdoviridae) e é considerada uma das mais antigas
zoonoses já descritas, tendo seus primeiros relatos no antigo Egito
em 2300 a.C. e na Grécia Antiga por Aristóteles. Apesar de sua alta
letalidade, o
vírus rábico é bastante lábil e facilmente destruído quando fora
do organismo. A contaminação normalmente ocorre através da pele
lesionada em contato com a saliva de um animal doente. A transmissão
por aerossóis pode ocorrer mas é muito rara e depende de uma
população de vírus e de hospedeiros potenciais elevadas (Brass,
1994).
Diphylla ecaudata
No
Brasil temos 03 espécies de morcegos hematófagos: Desmodus
rotundus (E.
Geoffroy, 1810),
Diphylla ecaudata
(Spix, 1823) e Diaemus
youngii
(Jentink, 1893). Destes, D.
rotundus
constitui a forma mais abundante e mais generalista quanto ao tipo de
presa, predando aves, répteis e mamíferos. As demais espécies, D
ecaudata
e D.
youngi
alimentam-se, em condições naturais, preferencialmente, do sangue
de aves.
D. rotundus
é um morcego de porte médio que vivem
em colônias formadas por haréns ou por machos solteiros. Apresentam
estrutura social complexa entre indivíduos
da mesma colônia, seguem
alguns exemplos:
-Há
reciprocidade na higiene
entre as fêmeas, que lambem
umas as outras e se ajudam na retirada de ectoparasitas e sujidades
que estejam grudadas na pelagem. O mesmo cuidado é direcionado ao
macho responsável pela colônia, aos filhotes e jovens.
-Divisão
de alimento através de regurgitação com outros membros da colônia.
Os
filhotes ficam separados em um berçário e sempre sob a supervisão
de um adulto.
O
morcego vampiro comum, D.
rotundus,
possui em sua saliva uma glicoproteína (inibidor do fato X)
denominada “draculina”, e um ativador de plaminogênio (Desmodus
Sallivary Plasminogen Activator), ambas
com ação anticoagulante. Tal característica facilita sua
alimentação pois o sangue da presa permanecerá escorrendo do
ferimento por mais tempo. O
estudo destas substâncias tem demonstrado várias aplicações
no tratamento de doenças cardíacas e vasculares.
Os
morcegos hematófagos são extremamente relevantes do ponto de vista
sanitário e também econômico, pois podem acarretar perdas às
criações de herbívoros, propiciadas pela hipovolemia decorrente
das sucessivas mordeduras, pela infestação de larvas de mosca nas
feridas, miíase, e pela mortalidade provocada pelo vírus rábico.
Na América Tropical D.
rotundus é considerado
como o principal transmissor
do vírus rábico
Nos
últimos séculos com aumento da urbanização e a destruição
descontrolada da Mata Atlântica associada à criação de grandes
animais para abate, o homem involuntariamente fez com que o morcego
vampiro se aproximasse mais das cidades. Vacas, cavalos, galinhas se
tornaram uma fonte fácil e farta para uma espécie que antes
precisava se contentar com pequenos animais silvestres nativos da
região. A consequência disso foi um boom
na população de morcegos hematófagos. Aos poucos, todavia, muitas
áreas de fazenda foram substituídas por grandes cidades e a perda
brusca da fonte de alimento fez com que fosse necessário encontrar
novos tipos de presas.
Um
levantamento detalhado dos casos de raiva em humanos no Brasil no
período entre 1990 e 2017 é descrito por Vargas et
al (2019). De acordo com
os autores existem 594 casos oficialmente comprovados, a maioria em
área rural. Entre 2009 e 2017 houveram
27 casos, dos quais 11
foram transmitidos por cães, 08 por morcegos, 04 por macacos e 03
por gatos.
Apesar
das inúmeras campanhas de conscientização muitas pessoas ainda se
mostram resistentes ou imprudentes e não vacinam anualmente seus
animais. A vacina antirrábica deve ser realizada, por médico
veterinário, não somente em cães e gatos mas também em equinos e
ruminantes, e realizado reforço anual.
Para
seres humanos a vacina antirrábica é indicada em duas situações
de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS):
-
pré-exposição - indicada para pessoas que trabalham em profissões
de alto risco (veterinários, pesquisadores que trabalhem com animais
silvestres, ou que fiquem expostos em locais onde haja risco de
contaminação); moradores de regiões onde há alta incidência da
doença; pessoas que irão viajar para locais muito isolados ou com
risco de contágio.
-
pós-exposição – indicada para pessoas após terem sido atacadas
por animal suspeito para prevenir o desenvolvimento dos sintomas
clínicos.
Na
cidade de Niterói, Rio de Janeiro, nos últimos anos, tem havido
relatos de ataques de morcegos hematófagos a cães.
Na
cidade de Niterói, Rio de Janeiro, nos últimos anos, tem-se tido
relatos de ataques de morcegos hematófagos a cães. Em 29 de junho
do corrente ano, um cão macho da raça dálmata de 07 anos foi
atendido pela M.V. Flávia C. R. Nascimento, no bairro Peixoto,
Itaipu, apresentando um ferimento oval na pata anterior direita,
compatível com lesão ocasionada por morcegos hematófagos. A
suspeita foi confirmada através da câmera de segurança da
residência. O incidente foi notificado e devidamente registrado no
centro de controle de zoonoses de Niterói, RJ.
Pesquisas
recentes revelam que apesar de não serem muito frequentes os casos
de raiva em cães, o vírus ainda mata animais silvestres no estado
do Rio de Janeiro. A doença existe e a única forma de conseguirmos
não retroceder no tempo com
um
crescimento no número de casos no país, não apenas em cães e
gatos mas também em humanos, é através da prevenção.
Devemos
ter em mente que qualquer mamífero é capaz de se contaminar e
transmitir o Lyssavirus.
Portanto é de grande importância ressaltar que matar
indiscriminadamente animais silvestres, como por exemplo, micos e
gambás, não irá solucionar o problema.
Pelo contrário,
a falta de presas irá fazer com que cada vez mais os morcegos
hematófagos precisem procurar alimento nos centros urbanos.
Bernardes-Filho et
al
(2014) descreve um caso de um homem de 42 anos que sofreu múltiplos
ataques por Desmodus
rotundus
também na cidade de Niterói.
Da
mesma forma, matar morcegos aleatoriamente também não resolverá o
problema e ainda causará um desequilíbrio ecológico no ecossistema
da região pois das mais de 70 espécies existentes somente uma se
alimenta do sangue de mamíferos. As demais espécies se alimentam de
néctar, frutas e insetos e auxiliam inclusive no controle de
mosquitos e outros insetos de uma região.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
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2014. Multiples
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